
Artigos Técnicos
Artigo Prof. Francis Flosi-Diretor da Faculdade de Medicina Veterinária Qualittas
A recente regulamentação da reforma tributária brasileira, através da Lei Complementar nº 214/2025, gerou grandes discussões, especialmente no setor pet. A principal questão gira em torno da falta de isonomia tributária entre os produtos voltados para animais de produção e aqueles destinados a animais de estimação.
Neste contexto, a Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação (Abinpet) planeja entrar com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF). O objetivo é contestar a exclusão do setor pet da redução de 60% nas alíquotas do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), um benefício concedido a produtos voltados para a pecuária tradicional. Com a nova configuração do IVA dual, produtos como rações para cães e gatos serão taxados com a alíquota cheia de 28%.
A Abinpet fundamenta suas críticas no princípio da isonomia, que a Constituição Federal assegura. De acordo com o artigo 150, a legislação deve garantir tratamento igual para contribuintes em situações semelhantes. Embora clínicas, hospitais veterinários e planos de saúde animal tenham recebido uma redução de 30%, outros produtos do setor continuam sem qualquer alívio fiscal.
Essa diferença de tratamento pode gerar efeitos econômicos e sociais consideráveis. O aumento dos custos de produção, por exemplo, pode refletir diretamente nos preços pagos pelos tutores de animais. Além disso, a falta de clareza e segurança jurídica pode prejudicar investimentos no setor, comprometendo o desenvolvimento econômico do mercado pet.
Em 2024, o setor pet atingiu um faturamento de R$ 75,4 bilhões, com um crescimento de 9,6% em relação ao ano anterior. Contudo, essa expansão marcou a primeira vez desde 2019 que o setor não alcançou um crescimento de dois dígitos. O segmento de pet food, responsável por 54% da receita do setor, apresentou uma retração de 0,6%. Esse declínio foi impulsionado por fatores como a instabilidade cambial, a inflação e a diminuição no consumo.
Ainda que a reforma tributária não tenha sido implementada por completo, as expectativas em relação a ela já afetaram a atividade econômica do setor. A incerteza regulatória e a possibilidade de aumento da carga tributária geraram um clima de cautela, reduzindo os investimentos e o crescimento no ano passado.
Outro aspecto que gera apreensão no setor é a criação do Cadastro Nacional de Animais Domésticos, estabelecido pela Lei nº 15.046/2024. Embora ainda não seja obrigatório, esse cadastro tem gerado preocupações, pois pode ser o primeiro passo para a implementação de taxas semelhantes ao IPVA, como ocorre em países europeus. Em lugares como a Inglaterra, Holanda e Alemanha, sistemas de cadastro evoluíram para a cobrança anual de uma taxa para a posse de animais. O setor pet teme que essa prática seja replicada no Brasil.
Se isso ocorrer, poderá prejudicar a função social da posse responsável dos animais, um princípio defendido pela legislação brasileira. Além disso, a medida pode desestimular a adoção e manutenção de animais de estimação, gerando efeitos negativos para o bem-estar animal.
A regulamentação da reforma tributária ainda está em andamento. O Projeto de Lei Complementar nº 108/2024, atualmente em tramitação no Senado, propõe a criação do Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (CG-IBS). Esse comitê será responsável pela administração do novo imposto, com a participação ativa de Estados e Municípios. O projeto também propõe mudanças nas regras de compensação e transição do ICMS, além de ajustes no Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Bens e Direitos (ITCMD).
Embora a reforma já tenha provocado impactos consideráveis, é importante notar que o processo de regulamentação ainda está longe de ser concluído. Portanto, as discussões sobre o impacto tributário para o setor pet continuarão a ser um tema relevante nos próximos meses.
A exclusão parcial do setor pet da reforma tributária levanta questões importantes sobre equidade fiscal e segurança jurídica. À medida que o setor pet cresce e ganha relevância na economia nacional, é fundamental que o governo adote medidas que garantam tratamento tributário justo, sem prejudicar o acesso da população aos produtos e serviços voltados para animais de estimação. O diálogo entre governo, entidades representativas e sociedade civil será essencial para encontrar soluções equilibradas que atendam às necessidades de todos os envolvidos.